14/09/2008

História da Nave


Texto adaptado do Livro "Terras de Riba-Côa - Memórias sobre o Concelho do Sabugal" , 2ª edição, de Joaquim Manuel Correia - Pgs. 191-194. Ano: 1893)

"A Nave fica localizada na margem esquerda da ribeira que banha o Soito, Nave e Aldeia da Dona e passa perto de Badamalos, onde toma o nome de Beluiz, indo depois juntar-se ao Rio Côa. Está a 14 quilómetros a Este do Sabugal.
Era muito abundante em águas, havendo por isso, nas margens da Ribeira belas veigas e lameiros com frondosos amieiros, freixos e outras espécies.
Apesar do clima ser frio, havia muitas vinhas antes do aparecimento da filoxera, dando depois lugar a vides americanas, sendo dignas de menção as pertencentes ao distinto Oficial de artilharia, José Maria Marques, de Aldeia da Ponte, sobrinho do falecido Reitor.
Colhia centeio, trigo, batatas, feijão, milho, grão de bico, fruta, hortaliças, bom linho e muita castanha. Os soutos de castanheiros da Nave eram notáveis não só por serem em grande número, como pelos belos e seculares castanheiros que existiam e alguns de tamanhos gigantescos. É porém de notar que a maior parte deles pertenciam a pessoas doutras povoações, sendo por vezes o terreno do domínio doutros, geralmente da Nave.
Foram plantados em tempos imemoriais em terrenos públicos, de que mais tarde foram tomando posse outros individuos, tendo o proprietário do terreno respeito pelo dos castanheiros. A respeito da apanha das castanhas existia uso ou tolerância antiga, que consistia em poder apanhá-las quem quer, passado do dia de S. Martinho, costume que existia também no Sabugal e noutras povoações onde há castanheiros.
A Nave é uma povoação muito antiga, dizendo-se que era já habitada no tempo dos Romanos. Efectivamente no seu limite têm aparecido sepulturas atribuidas à época em que eles dominaram a península, assim com algumas vasilhas de barro.
Em 1477 existia ali um Convento de Freiras, instalado, segundo se diz, no local onde tinha a sua residência o Sr. Augusto Jerónimo Metelo de Nápoles e Lemos, opulento proprietário da Nave. Acabou por causa das guerras com Castela, indo as Freiras para Almeida onde fundaram outro Mosteiro.

Era da invocação de Nossa Senhora do Souto. Foi fundado por três Irmãs da familia dos Falcões de Pinhel, chamadas Grácia da Coroa, Ana da Conceição e Branca da Assunção, às quais se asssociaram outras mais. Do Convento que elas fundaram em Almeida sairam as fundadoras dos Mosteiros de S.Vicente da Beira e da Madre de Deus de Aveiro.
Diz-se que a Capela de Santo Cristo que existe na povoação da Nave pertencia ao extinto Convento.
Esta povoação foi incendiada em 1642 pelos Castelhanos. Da Nave saiu em 29 de Agosto de 1643 o Governador da Beira, D. Álvaro Abranches, para tomar Albergaria, que ficava no Reino vizinho e tinha 300 vizinhos, não conseguindo o intento (“Portugal Restaurado, T.2º, pág. 8). Levava 6.000 Infantes, 2 peças e 400 cavalos.
É dessa época o cruzeiro do chafariz, que ainda podemos apreciar, datado de 1648.
Foi na mesma ocasião destruida a Igreja Paroquial, que mais trade foi restaurada. Mas nunca perdeu o nome de Igreja Matriz. Tem à direita e a poucos metros de distância uma elegante e elevada torre. Uma das poucas que há no Concelho do Sabugal.
Em época que não se pode determinar foi mandado apear o telhado para nela se fazerem os enterramentos, construindo-se mais tarde o cemitério em volta.
Nela existe uma pedra tumular, sobre a supultua de D.Justina da Fonseca, senhora extremamente virtuosa. Nessa vê-se uma inscrição, da qual consta ter falecido em 18 de Agosto de 1888 e ter deixado a quantia de 50,000 reis para a conclusaão das obras da Igreja, além de muitas esmolas aos pobres.
Foi casada em segundas núpcias com José Joaquim Ribeiro, que por morte dela voltou para a Miuzela, sua terra Natal.
Enquanto a Igreja Matriz não foi reparada servia de Igreja Paroquial a Igreja de Santo António.
Edificada no meio da povoação, em estilo moderno, mas solidamente construida. Tem um coro e púlpito regular e a capela-mor está muito bem ornamentada. O altar-mor é de boa talha dourada. Nas paredes da capela-mor existem sete quadros regulares.
Ao lado da capela-mor vê-se uma inscrição da qual apenas se pode copiar o seguinte:
D. LUIS DE O TAVARES
TUDO POREMBARCAR AL...
(ELEVS) OCEONOSARRE’......
DANDO......................................
Lê-se ainda ali a data, que parece de 1753. A inscrição está relacionada com a lenda da capela. Vendo-se um individuo – D. Luis de O. Tavares? Em eminente perigo de morrer no mar, fêz um voto a Santo António, prometendo mandar erigir-lhe uma capela e um altar . Ficando salvo da tempestade, cumpriu o voto mandando edificar a Igreja e o altar nesta povoação.

A Igreja de Santo António serviu de Igreja Paroquial durante muitos anos, mas como era muito pequena para a população, a necessidade obrigou os vizinhos a restaurar a Igreja Matriz e que foi naturalmente construida nos tempos em que a Nave era a sede de uma grande freguesia , a que pertenciam as povoações da Lageosa, Foios, Vale de Espinho, Vale das Éguas, Ruivós e Ruvina.
Ali vinham muitas vezes assistir à missa conventual os vizinhos dessas povoações, tão distantes especialmente as três primeiras.
O Reitor era da apresentação do ordinário. Apresentava os curas das referidas povoações.
Existiam na Nave muitos padeiros de centeio e trigo, sobretudo à moda espanhola, para o que tinham máquinas próprias. Iam vender o pão ao Sabugal, Covilhã e Guarda e a muitas povoações do concelho. No tempo próprio, iam muitos indivíduos da Nave para Espanha, indo até às proximidades de Salamanca, uns como gadanheiros, outros como tosqueadores de gado lanígero.

As corridas de Touros
Um divertimento que os da Nave não dispensam é a corrida do touro, uma ou mais vezes cada ano, assim como os do Souto, Vila Boa, Sabugal e outras mais terras do concelho, especialmente as situadas na margem direita do rio Coa. É o que se chama folguedo. O touro é alugado por indivíduos que os compram em Espanha para aquele fim. Geralmente recebia o dono do touro a quantia de 5.000 réis por cada folguedo.
O touro é corrido numa praça improvisada na véspera, cercada de carros bem cheios de lenha, no cimo dos quais o povo assiste à tourada.
Todos os rapazes são toureiros, picando o touro com grandes varas, de quatro ou cinco metros de comprimento, em cuja extremidade está cravado um aguilhão de ferro.
Mas a parte mais curiosa do folguedo consiste no forcão, espécie de grade, formada dum grande ramo ou pernada de carvalho, com uma grossa vara onde os galhos se atam e afastam, dando-lhe a forma triangular.
O rabeador, tal como um timoneiro, dirige esta máquina, levantando-a, desviando-a para que o touro não apanhe os 15 ou 20 rapazes que a cercam; e os 2 do garrochão, armados de grossos paus com longas choupas, defendem-se das investidas do touro, cravando-lhe os ferros dos garrochões, ao mesmo tempo que os das varas ou garrochas o distraem, fugindo a meter-se debaixo dos carros.
Infeliz do que se deixa apanhar, que fica estendido na arena, às vezes para não mais se levantar, como várias vezes tem sucedido. Mas, apesar disso, o divertimento deve ainda continuar, porque a Nave, como as mais povoações próximas de Espanha, tem grande predilecção pelas corridas de touros e, quando ali o não correm, vão assistir a corridas doutras povoações."